A banalização da repressão

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30 de abril de 2013 por deglutindopensamentos

Eliton Felipe427273_423699264379090_1925993822_n

noticiafoto-a262260a86f633f2fb58500a48985646Nas últimas semanas o “debate” sobre a redução da maioridade penal tomou corpo, principalmente nas redes sociais, e chegou até as ruas com a passeata que ocorreu na cidade de São Paulo, a mesma onde a Marcha da família com deus pela liberdade aconteceu há quase 50 anos. Sou contra essa mudança na lei por uma série de fatores que serão abordados aqui no blog nos próximos dias, mas hoje, quero falar sobre um dos argumentos que li no último sábado para legitimar a prisão dos menores.

Dia 27/04, tive a tristeza de ler, em um perfil no facebook, algo mais ou menos assim: “Até quando esses marginaizinhos ficarão soltos? Vocês acreditam que eles colocaram fogo no mato de novo e a fumaça deixou cheiro na roupa de cama da minha tia outra vez? Tem que reduzir a maioridade penal pra colocar esses guris na cadeia!”

Imaginem a minha surpresa ao ler uma coisa dessas, não pelo fato de eu ser contra a redução, mas pela banalização da repressão contida naquela frase. Segundo essa argumentação estapafúrdia, crianças de 12, 13 anos, devem ir para a cadeia, pelo fato de terem deixado cheiro de fumaça em um lençol que estava no varal. A coisa ficou ainda pior quando li os comentários na dita postagem “É isso mesmo, tem de mandar todos para a cadeia! O pior é que, além dos defensores dos direitos humanos, tem esses que defendem aqueles bandidos que ficam lá, vivendo no bem bom, comendo as custas do povo sem ter de trabalhar”. Fiquei pensando qual a imagem que essa pessoa tem do sistema carcerário brasileiro. Me pareceu uma fã de OZ achando que os presídios por aqui são iguais aos dos Estados Unidos. Ela deve achar que a rotina de um bandido em uma cadeia no Brasil seja mais ou menos assim: acorda, toma um bom café da manhã, toma um banho de sol, depois almoça, aí faz uns exercícios físicos, toma banho, janta e vai dormir em celas com mais um ou dois criminosos. Não quero discutir aqui o desconhecimento sobre o sistema prisional ou sobre as propostas em tramitação na Câmara, mas sim a que ponto o ser humano chegou em relação ao outro.

Dizer que “se sabe fazer filho, pode responder por seus crimes” ou que “com 16 anos já sabe o que é certo e o que é errado” é fácil quando se trata da própria educação. Agora, discutir os motivos que levaram as crianças e adolescentes a cometerem o crime, ninguém quer. É mais fácil trancafiar os menores em celas superlotadas onde serão abusados e, como todos (menos a guria do comentário no face) já sabemos, os presídios brasileiros são fabricas de marginais ainda piores. Não há reabilitação, não porque isso não seja possível, mas sim porque o Estado não a oferece de maneira digna. Reduzir a maioridade seria apenas piorar a situação de pessoas que já estão cumprindo “Sentença de vida”.

Outro momento que me deixou em choque no fim de semana foram as cenas do protesto durante a inauguração do Maracanã. Clique aqui http://urlcurta.com/gktXJ para assistir ao vídeo. A reforma do estádio que custou cerca de R$ 1 bilhão já seria motivo suficiente para a população reclamar, mas, pior do que isso, é a demolição do Parque Aquático Júlio de Lamare, utilizado por centenas de cariocas, do Estádio de Atletismo Célio de Barros, que serve de espaço para treinamento de atletas de todo o Rio de Janeiro, da Escola Friendenreich, especializada em crianças com deficiência, e da transformação do antigo Museu do Índio em Museu do Comitê Olímpico Brasileiro.

No sábado então, durante a inauguração do “novo” estádio, cerca de 400 pessoas se reuniram em frente ao local para protestar, entre elas, dezenas de crianças que perderão o espaço onde estudam e ainda não têm destino certo. A manifestação era pacífica e tranquila até o momento em que a PM, sem motivos aparentes, começou a atirar bombas de gaz lacrimogênio e de efeito moral, prendendo manifestantes e, pasmem, jornalistas que faziam a cobertura do que estava acontecendo.

Aí eu me pergunto: Pra quê? Qual a finalidade do aparato repressivo do Estado agir daquela maneira contra manifestantes que não estavam agindo com violência e, pior, contra crianças?

Sei que são situações pontuais, mas eu precisaria de centenas de linhas para descrever outras como essas que tenho acompanhado diariamente na internet. Parece que estamos perdendo o que temos em essência. Tenho a impressão de que rasgamos o contrato social do qual Rousseau nos falava em 1762 e que estabelecemos para sermos capazes de conviver. A partir do momento em que a vida de um garoto de 12 anos se torna menos importante que o cheiro de fumaça em um lençol, que viver como um animal sem as menores condições é entendido como um paraíso e que a polícia investe contra crianças e pessoas que agem de forma pacífica, se torna difícil de ver um futuro melhor para o Brasil. E depois, essas mesmas pessoas dizem que têm vergonha de viver aqui e que o problema do país são os políticos, será mesmo? Além disso, são essas pessoas que batem no peito para dizer que são tementes a Deus, que rezam, falam em perdão e amor ao próximo.

2 pensamentos sobre “A banalização da repressão

  1. ELIAS BUENO disse:

    Não concordo em nada com você Eliton Felipe, pois a educação sem o conceito de prêmio e castigo nunca irá acontecer. Dizer que todos os criminosos são recuperáveis é outra utopia. O criminoso trabalha analisando o custo e o benefício em se cometer um crime e no Brasil somente existem benefícios. Em São Paulo o aluno tem as mesmas leis de um criminoso na prisão, progressão continuada que é o mesmo que a progressão de penas para criminosos. Como podemos evoluir no pais da progressão?

    • Elias, posso te dizer que não, criminoso não trabalha com a hipótese de custo/benefício. O melhor exemplo disso são os estados que possuem pena de morte nos EUA, em momento algum desde que eles optaram por essa penalidade, a criminalidade diminuiu, pior, em alguns estados até cresceu o índice de violência. De fato a progressão continuada do estado de SP, e te digo que não é só la que isso acontece, não funciona, pelo contrário só piora a situação das crianças, mas voltemos ao mote da conversa. Quanto ao conceito de evolução, se você fala em desenvolvimento, esse só se dá de duas maneiras, explorando outros países ou pela educação elevada. Não temos nenhuma das duas opções e, enquanto continuarmos sem investimento na educação, continuaremos caminhando para trás. Países com um bom exemplo disso são Cuba e Finlândia. O primeiro, desenvolveu a educação e, hoje, tem o menor índice de violência das Américas; o segundo, esteve envolvido em uma série de guerras no último século e soube aproveitar bem essa situação, hoje é desenvolvido com a educação em níveis elevados e com uma das menores taxas de violência da Europa. Quanto a recuperação do criminoso ser uma utopia, aconselho assistir esse filme http://www.portaldecinema.com.br/Filmes/o_contador_de_historias.htm e ler um pouco sobre a história do personagem principal. Um Abraço, Felipe.

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