Feminismo não deve ser um assunto batido

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26 de janeiro de 2013 por deglutindopensamentos

Rebeca Duvoisin

Não sei se é assim com todo mundo, mas diariamente me deparo com inúmeros textos em blogs, facebook, sites, etc., falando sobre o feminismo, sobre a luta das mulheres pelos seus direitos, sobre brigas entre homens e mulheres que discutem a chatice das feministas, sobre fazer ou não fazer piadas machistas e outras coisas do tipo. Pois bem, pensando em um tema para esse texto, resolvi também dar meus pitacos sobre esse, que para muitos, não passa de um assunto “batido”.

Mulheres fazem protesto em Ipanema (RJ)

Mulheres fazem protesto em Ipanema (RJ)

A forma como lidamos com a sexualidade da mulher é fruto de influências culturais que desenvolvemos ao longo da nossa evolução, e do campo religioso e social. Como o Brasil recebeu fortes influências da igreja cristã quando ainda era colônia, esta é, em parte, responsável por criar mitos relacionados à figura feminina que, mesmo passados alguns anos, ainda deixam seus resquícios na forma como a mulher é vista na sociedade. Mitos como a ideia de que toda a mulher carregava em sua essência o pecado original, cometido por Eva, a “primeira mulher”.

Até o século XIX, a igreja sempre reafirmou a história da traição de Eva e de como ela, seduzida pelas forças de Satanás, induziu o homem a pecar contra Deus. Esse contato com as forças do mal inseriu na natureza feminina uma predisposição a transgredir as leis de Deus, o que serviu de estigma para o sexo feminino durante toda a idade média. Além do pecado cometido pela primeira mulher, existia ainda a ideia de que, por ela ter sido criada pela costela do peito de Adão (uma costela torta), já havia nascido com uma falha, ou seja, não havia outro caminho a ser seguido pelas mulheres, a não ser o do pecado. Entende-se que, por ela ter nascido dessa forma, já estava predisposta a pecar e já que era naturalmente pecadora, nada mais correto do que levá-la no cabresto, certo?

Só existia uma forma da mulher se ver livre (por um curto período) das amarras do pecado contido nela… e era através da maternidade. Somente com a maternidade a mulher podia se distanciar de Eva – a pecadora, e se aproximar de Virgem Maria – a santa.

Mas não é apenas a igreja cristã que sustentou por muito tempo a ideia da mulher pecadora. No judaísmo, existiu outra mulher antes de Eva. Lilith foi criada juntamente com Adão e não posteriormente, de sua costela, como foi Eva. Ela era desobediente e não aceitava se submeter ao seu homem. Reivindicou igualdade com Adão de forma que, na relação sexual, ela ficaria por cima, e não ele. Lilith fugiu e foi transformada em um demônio de características sedutoras.

Não importa a figura, ambas as mulheres são pecadoras por seduzirem, por reivindicarem, por não serem, de certa forma, submissas.

Não quero aqui julgar a igreja cristã, até porque não foi apenas ela a responsável pela criação de mitos em torno da figura feminina. Até o século XVIII as mulheres não possuíam um sexo próprio como os homens. O corpo feminino era visto como inferior ao masculino, o órgão sexual da mulher era compreendido como uma mera herança defeituosa do órgão sexual masculino. Ou será que ninguém nunca ouviu aquela história de que o útero é um órgão similar aos testículos, porém, não evoluído? Além do órgão sexual, o tamanho do crânio também era um forte argumento para sustentar a ideia da inferioridade feminina.

No século XIX, com uma nova concepção de ciência, nascida do iluminismo, essas teorias perderam força. Muitas ideias tidas como verdades absolutas passaram a ser questionadas, inclusive o papel das mulheres na sociedade. Mas, ainda assim, a sexualidade da mulher continuou, por muito tempo, ligada exclusivamente à maternidade. A mulher precisava manter relações sexuais (com seu marido, claro) para ter filhos, independente de sua vontade para isso. Era mal vista aquela que praticava sexo por prazer.

As primeiras feministas lutaram pelos mesmos direitos de voto e de trabalho que os homens possuíam, mas posteriormente, percebendo a importância de se lutar não pelos direitos iguais e sim pelos direitos da mulher, começaram a questionar assuntos como a livre sexualidade, maternidade, violência doméstica, etc.

Marcha_Vadias

Marcha das Vadias em Curitiba

Eu poderia citar muitos outros argumentos que circularam pela nossa história ao longo dos tempos em relação à forma como a mulher era vista, mas acredito que estes já são suficientes para uma boa compreensão do que fez as mulheres, lá na década de 1960, queimarem os sutiãs e lutarem pelos seus direitos, e do que continuam fazendo hoje em seus manifestos virtuais e presenciais. O feminismo não é, e não deve ser, um assunto “batido”. Acredito eu que, enquanto houver machismo, as chatices do feminismo devem continuar circulando por aí. Enquanto houver gente falando que mulher que sai de roupa curta pede pra ser estuprada, que “as barangas foram pra marcha das vadias pra ficar com os peitos de fora” e que feminismo é a mesma coisa que machismo, só que ao contrário, é um sinal de que as feministas ainda não alcançaram seu nível master de chatice. 

3 pensamentos sobre “Feminismo não deve ser um assunto batido

  1. Rebeca disse:

    Quando li o comentário do Marcos no meu post, admito que me deu preguiça de responder, pois eu acredito que não adianta perder muito tempo com gente que não se da ao trabalho de se informar antes de abrir a boca pra falar o que pensa. Só que daí, pensando melhor, resolvi fazer o que cabe ao meu papel de autora do texto, que é responder àqueles que comentam o meu post. Mas daí, lendo a resposta da Rebecca, percebi que não preciso falar mais nada, porque do que o Marcos precisa é informação, certo? E acredito que no meu texto e na resposta da Rebecca já tem informação suficiente pra o Marcos começar a pelo menos pensar sobre o assunto e sair do achismo e do senso comum.

  2. Rebecca disse:

    Taí Marcos; você toca num ponto sensível. Homens sofreram sim. E sofrem até hoje. Aliás quem neste mundo aqui posto vive à mil maravilhas? Umas poucas pessoas, vamos convir. Uma meia duzia aí que controla todos os nossos destinos. Bem, pensando bem, talvez nem eles.
    O fato é que homens e mulheres tem sofrido por toda a história da humanidade. Sofremos, nós dois, fomos escravizados e depois explorados. Aliás, somos explorados até hoje. Pagam quase nada pela nossa força de trabalho. TRabalhamos o dia todo para ganhar um pouco que mal serve para nossa sobrevivência, e trabalhamos muito, passamos o dia todo longe de casa, mal vemos nossos filhos crescendo, mal ouvimos musicas, mal nos divertimos. E além disso tudo, tem a violência. Violência nas ruas, daqueles que violentamente não tem mais opção além de nos assaltar. Violência do estado. Quando com azar, violência das guerras. Isso é bem certo Marcos. Sofremos nós dois – você homem e eu mulher – tanta exploração, tanta opressão.
    Mas tenho que te alertar de uma coisa. Nesse trabalho que nós dois trabalhamos muito para ganhar pouco, eu, ganho menos ainda. demoro bem mais para ser promovida. Sofro assédio dos colegas, descrença dos clientes, desconfiança dos fornecedores. Além das 8 horas de trabalho, às vezes 12, você possivelmente chega em casa e dorme (já exausto), mas eu, Marcos, ainda tenho que limpar tudo, cozinhar, ajudar nas tarefas da escola dos meus filhos. Nas ruas, além do mesmo medo de ser assaltada, que você também certamente tem, eu estremeço de medo de ser estuprada em cada viela, em cada esquina escura, em cada praça que passo pelo meu caminho, em cada ônibus que eu entro. E se a gente vivesse uma mesma guerra, certamente, eu teria – como você – medo dos tiros, das bombas, e de todos os soldados que provavelmente me violentariam. Como sempre o fazem em todas as guerras com qualquer mulher.
    Marcos, quando o amor acaba entre duas pessoas. A gente tem medo de ficar sozinho, sofre, sente raiva – isso é igual entre mim e você, mas geralmente são as mulheres que são mortas pelos seus ex-companheiros. É só dar uma lida nos jornais.
    Somos nós, que além de toda a exploração que você também vive, que temos nossos corpos à margem da gente.

  3. Marcos disse:

    ou seja, o homem nunca sofreu, nunca foi oprimido, sempre teve todos os direitos possíveis a um ser humano e nunca teve de lutar por nada, e além de tudo, é o único culpado por todos os problemas do mundo. Pobre mulher sofredora e oprimida por toda a história da humanidade.
    Que bosta.

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